Se houvesse justiça perfeita neste país — aquela mesma que aparece nos discursos de palanque, com sorriso ensaiado e mão no peito — a ingratidão na política já estaria no Código Penal, entre “estelionato” e “formação de quadrilha”. E não seria exagero. Afinal, poucos crimes produzem tanto estrago quanto o de virar as costas para quem ajudou a construir o caminho que o sujeito agora pisa como se tivesse sido asfaltado por anjos. Imagine só: artigo 171-A — “Praticar ingratidão explícita contra aliados, padrinhos, lideranças ou eleitores, omitindo favores recebidos, renegando compromissos e fingindo que sempre caminhou sozinho.” Pena: de 1 a 4 anos de silêncio obrigatório, mais multa em humildade. Porque na política, meu amigo, existe um talento oculto — o dom de esquecer. Esquecer quem puxou a corda quando o barco estava afundando. Esquecer quem segurou a bandeira quando ainda era feia, pequena, sem cor. Esquecer até o próprio discurso, esse então é o primeiro que some. A ingratidão política é silenciosa, mas eficiente. Começa com o sujeito deixando de atender o telefone de quem o sustentou na travessia. Depois, troca o “companheiro” por “não o conheço tão bem”. De repente, o ingrato já está em outra mesa, comendo em outro prato, elogiando adversários que antes chamava de ameaça à democracia. E tudo com a maior naturalidade, como se trocasse de camisa. Por isso mesmo deveria ser crime. Porque quem é ingrato na política não trai só pessoas — trai histórias. E, pior, trai o próprio futuro, que mais cedo ou mais tarde cobra com juros, correção monetária e uma pitada de vexame público. Mas hoje, enquanto esse crime ainda não existe na legislação, resta a velha sentença popular: “A política gira, mas a lembrança gira mais rápido.” E quando a roda voltar — porque ela sempre volta — o ingrato descobre tarde demais que memória, ao contrário de promessa de campanha, não se apaga tão fácil. Até lá, seguimos observando, com ironia e café, os artistas desse grande teatro. E torcendo para que um dia, quem sabe, a lei abrace aquilo que o povo já reconhece faz tempo: que ingratidão na política é tão nociva quanto qualquer delito. Só falta tipificar.